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5 lições do movimento Saracura Vai-Vai para empreendedores (e comunidades)

Nas últimas semanas, uma intensa mobilização social tem articulado moradores, pesquisadores e lideranças negras de São Paulo em torno da pauta de proteção ao patrimônio arqueológico do Bixiga, onde, segundo notícias veiculadas na imprensa, teriam sido descobertos vestígios arqueológicos do que podem ser remanescentes do antigo quilombo da Saracura.

Embora o processo de investigação e análise dos descobrimentos ainda esteja em andamento, a mobilização é um fato relevante ao processo de implantação do metrô na localidade. A possibilidade de achados desse tipo já havia sido apontada pelo próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, e para isso havia sido proposto um programa específico de prospecções arqueológicas. Mas o que importa aqui não é o fato objetivo dos achados ou o estudo ambiental em si: interessa apontar a realidade da mobilização, e o que situações de embate desse tipo devem ensinar a empreendedores sobre o diálogo, sempre necessário, com as comunidades envolvidas em (ou por) seus negócios. O debate é longo e delicado, então ficaremos aqui com apenas cinco pontos.

1. Subjetividades importam

O movimento Estação Saracura Vai-Vai tem sido o pivô da mobilização social que reivindica atenção à herança afrobrasileira e à identidade negra marcante do bairro, e essa pauta está no centro de uma das principais demandas do coletivo ao empreendedor: que o nome da estação do metrô prevista para o local seja alterado, de "14 Bis" (referência à praça vizinha) para "Saracura Vai-Vai". Este nome, por sua vez, remete simultaneamente ao córrego que passaria originalmente por ali, e onde teria estado o quilombo no século 19, e também à escola de samba, que teve de deixar sua quadra de ensaios para que o local recebesse as obras e futura estação do metrô. A escola de samba seria entendida como portadora da continuidade dessa memória negra paulistana, e tanto seu deslocamento quanto a falta de reconhecimento dessa história local foram entendidos como ações de apagamento da memória.

Ou seja, os estudos anteriores podem ter falhado em reconhecer essa importância sociocultural do lugar. Quando se trata de espaços portadores de referenciais de memória e associados a uma identidade sociocultural qualquer, podemos dizer que se trata de um lugar com valor de patrimônio cultural imaterial. Antes mesmo da descoberta de vestígios arqueológicos (o que o EIA já admitia), havia a necessidade de reconhecer e dialogar com esse patrimônio.

2. A população quer ser ouvida

O engajamento desses coletivos e movimentos sociais poderia ter um caráter menos contestatório e conflitivo se em todo o processo de avaliação, licenciamento, e implantação do empreendimento, um diálogo mais próximo e aberto com a população tivesse sido estabelecido. É comum, em processos de licenciamento ambiental, que se estabeleça um "Programa (ou plano) de Comunicação Social" para mitigar ruídos de informação ou para prestação de esclarecimentos e acolhimento de dúvidas, indagações e sugestões. Porém, é igualmente comum (não sabemos se foi este o caso) que programas deste tipo sejam concebidos de forma unidirecional, como um serviço de "prestação de contas" do empreendedor através de material de divulgação e publicações diversas em diferentes mídias.

O recebimento das manifestações da população merece uma atenção maior do que a de simples "pedidos de esclarecimento", e deveriam ser entendidos como insumos importantes para o detalhamento e realização final dos projetos. A população local, como quem vivencia diretamente a realidade de onde se implanta um projeto, pode (e muitas vezes quer) opinar e contribuir para a melhoria dos projetos. Especialmente em um caso em que se envolvem questões sensíveis como memória coletiva, uma postura efetivamente permeável é sempre mais salutar do que permitir que a situação chegue ao ponto de uma confrontação.

Apelar para a convocação de forças de segurança pública, então, é a pior forma possível de gerir essas tensões...

3. Os movimentos sociais estão preparados

Os estudos ambientais são realizados, em geral, por equipes técnicas sérias, experientes e capazes, e pressupor qualquer má-fé é imprudente e possivelmente injusto - mesmo porque há a Lei de Crimes Ambientais que, por responsabilizar os técnicos por análises omissas ou tendenciosas, assegura minimamente a isenção técnica para avaliações adequadas.

Nada disso garante, no entanto, que essas análises sejam exaustivas e infalíveis. E este é um caso em que, possivelmente, só a consulta e a parceria do "conhecimento local" poderia assegurar que questões do tipo que discutimos aqui fossem consideradas.


A boa notícia é: a sociedade está cada vez mais preparada para encarar esses diálogos. No caso do movimento Saracura Vai-Vai, é notável a participação de historiadores, cientistas sociais e até mesmo arqueólogos entre aqueles que estão debatendo e propondo mudanças na condução do caso. A proposta de se criar ali um memorial que abrigue o patrimônio arqueológico que vem sendo descoberto é um sinal claro de que se trata de uma demanda qualificada da população, com embasamento e justificativa cientificamente consistentes. Onde se tem sociedade organizada, é muito possível que haja também sustentação intelectual para um diálogo e negociação bem instruídos.

4. Ações emergenciais saem mais caro

Quem "paga para ver" e aposta em um projeto que não dialoga com a comunidade de seu entorno assume o risco de um conflito com a população que pode resultar em interrupção de obra, judicialização (e até embargo), ou na necessidade de dar respostas urgentes, não planejadas. A chance de isso resultar em grandes prejuízos quando acontece é muito grande: será que vale a pena correr esse risco?

Mesmo que não tenha sido a aposta desse empreendimento, o episódio vale como um lembrete e um alerta: modificações na fase de projeto são mais fáceis de equacionar, e o que parece um custo extra no início pode, na verdade, representar uma economia importante mais à frente, quando a obra já está iniciada. Isto porque o custo a mais representado pela incorporação de soluções de responsabilidade socioambiental podem ser melhor programadas, acomodadas em um orçamento mais extenso e ampliado, do que se houver a necessidade de uma resposta imediata e sem maior margem de manobra.

Além disso, o maior prazo permite negociações mais vantajosas com fornecedores (sejam de produtos ou serviços); já quando se trata de uma emergência, é bem comum que a demanda acabe sofrendo algum tipo de acréscimo, por exigir desses mesmos fornecedores um esforço extra e imprevisto para atendimento.

5. População atendida é população apoiadora

Não deixa de ser interessante observar que a reivindicação não é contra o projeto em si: em uma das reivindicações explícitas do movimento, é declarado que não se trata de oposição ao metrô em si, mas ao "apagamento histórico" que o projeto, da forma como vem sendo executado, pode causar. Então, se há legitimidade do projeto em si, é porque a população percebe que o empreendimento lhe trará benefícios. O encaminhamento adequado da resposta a essas demandas populares pode resultar em uma aliança real e consistente de apoio ao empreendimento (o metrô).

Muitas vezes, a simples abertura ao diálogo e a disposição de buscar uma solução de consenso é até mais importante do que o atendimento puro e simples à reivindicação. Mais uma vez, não há aqui um julgamento dos envolvidos, pois para isso seria preciso contar com mais e melhores informações. Mas há experiências suficientes que mostram que uma abordagem transparente, que exponha com clareza as dificuldades e limitações para a adoção de determinada medida (digamos, a ideal) pode ser uma forma de convidar os demandantes a buscar uma solução alternativa e igualmente satisfatória. Quem sabe julgar o que é ou não adequado para responder à sua reivindicação é justamente quem apresenta a demanda. Em certas situações, a resposta pode ser surpreendente.

Como dissemos no início, há vários outros pontos que poderiam ser levantados, e mereceriam também alguma discussão. Mas a mensagem geral está clara: quem se dispõe a dialogar evita conflitos, atrasos, custos imprevistos, e ainda pode ter um grande ganho de legitimidade e reputação. Para as comunidades, fica o lembrete de que se organizar não é perda de tempo, e nem sempre precisa ser uma "batalha perdida" ou fadada ao fracasso. Para isso, uma interlocução capacitada e qualificada pode ser um meio muito eficaz para instaurar um processo de negociação e diálogo, em vez de mero confronto. Todos têm a ganhar.

Se você tiver outras observações, fique à vontade para comentar. E se achou o conteúdo desta postagem relevante, por favor compartilhe e ajude-nos a alcançar mais gente!


Crédito das imagens: todas as fotos que ilustram este texto foram publicadas pelo movimento Estação Saracura Vai-Vai em sua página de Facebook: https://web.facebook.com/estacaosaracuravaivai/. Os autores das imagens que desejarem ter a autoria devidamente creditada, ou removida desta postagem, por favor entrem em contato, e respeitamos inteiramente seus direitos.

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